Facebook e o imperativo da indignação

03/02/2012

Sou um otimista com relação às novas tecnologias e às redes sociais. Acredito que aqueles que procuram saber se o Twitter e o Facebook afastam ou aproximam as pessoas estão cometendo um engano: não é mais esta a questão (se é que em algum momento foi) – os próprios referenciais de distância de antes não valem nos dias de hoje. A geração analógica media distância em metros; a geração digital mede em cliques.

Há um abismo talvez intransponível separando estas duas gerações. Este é o único motivo que me ajuda a pensar a cobertura de alguns meios de comunicação com relação, por exemplo, às riots em Londres e ao Movimento Occupy. Dizer que estas manifestações culturais são “coisa de vagabundo” ou de “neo-burguês entediado” é um atestado de incapacidade de leitura do contexto contemporâneo. Ou mesmo um ato de má-fé – mas não é este o meu ponto aqui.

As novas (novas?) tecnologias, ao contrário do que parece pensar a geração do lado de lá do abismo, não enfraquecem a capacidade de fala. Elas surgem como uma, talvez a única, forma de se fazer escutar em um mundo que tinha desaprendido a protestar (é difícil protestar em uma língua morta). Não é à toa que, inspirados em Alan Moore, os manifestantes do Occupy utilizam a máscara de Guy Fawkes, um revolucionário de outros tempos: ao fazerem isso, não cortam laços com os antepassados, mas homenageiam e atualizam um potencial crítico que há muito foi emudecido pela rotina de trabalho, pelo cinza dos escapamentos dos carros, pelos monopólios de informação (algo que, como todos sabemos, “a gente vê por aqui”).

Eu gostaria de levar a discussão um pouco adiante. Por mais que eu seja um instigador e um entusiasmado com os movimentos sociais em redes, acredito que há algo a se tomar cuidado: de algum tempo para cá parece estar ganhando consistência, especialmente no Facebook, uma espécie de imperativo da indignação. Quão indignado você fica com a presença da PM na PUC-SP? E com Pinheirinho? E com o salários dos deputados? E com todo o resto? Fique indignado, não importa com o quê!

E, bom, estamos realmente indignados. Mas é importante saber que isso não é suficiente.

Estar indignado e não fazer nada, mesmo que sejam movimentos em nível micro – e aí o trabalho psicanalítico é imprescindível -, é ser cúmplice, é emprestar o olhar para sustentar uma violência. As redes sociais convocam o olhar (“Veja esta foto!”, “Repare neste absurdo!”), e este é justamente o seu grande risco – e trunfo. Aquele que “curte” uma “postagem de indignação” sem assumir uma posição crítica está na mesma posição do motorista que passa ao lado de um acidente, diminui a velocidade para ver melhor os feridos, e segue adiante: empresta o seu olhar para que as coisas fiquem como estão. Um olhar que não evoca a palavra é um olhar de gozo e de anuência.

Mas, como eu disse antes, esta fascinação pelo olhar é também o grande trunfo das redes sociais: será que saberíamos sobre o massacre de Pinheirinhos se não fosse o Facebook, se dependêssemos apenas dos meios tradicionais de comunicação? Levaríamos a sério e entenderíamos o real significado das revoltas londrinas? Lembrando, de passagem, que a revista Veja (!) apresentou aqueles jovens britânicos como alienados que estavam saqueando lojas atrás de tênis de marca e aparelhos eletrônicos. Faltou à revista perceber que aqueles jovens queimavam os produtos da loja: um modo simbólico de dizer que este sistema econômico em que vivemos está caduco, que, no fundo, toda a parafernália de consumo não tem valor.

Voltando ao assunto: a questão central está em saber o que fazemos com todas estas convocações à indignação. Como podemos quebrar os ciclos de violência, mesmo que os mais simples e discretos? Tenho em mente aqui uma frase genial de Guy Débord, em A Sociedade do Espetáculo:

À aceitação (…) daquilo que existe pode também se adicionar como uma mesma coisa a revolta puramente espetacular: isto traduz o simples fato de que a insatisfação ela própria se torna uma mercadoria (…).

Como ir além do espetáculo, além da convocação de um olhar passivo? Se “curtir” for o suficiente para estarmos com a consciência limpa, estamos fazendo algo errado. Bem errado.

As redes sociais são ferramentas importantíssimas para a construção de pontos de visibilidade no mundo. Compartilhar uma violência é uma forma de tornar pública e fazer visível algo que talvez não teria lugar na mídia. Entretanto, se a “insatisfação se torna uma mercadoria”, como diz Débord, nada muda – vira uma queixa vazia e sem sentido prático, um discurso que não gera movimentos – gozo da desilusão. Estar indignado porque é justamente isso o que o mundo parece querer é uma das novas formas de cinismo. Uma indignação espetacular.

Uma indignação de novela das oito.

— Luciano Mattuella

11 Respostas to “Facebook e o imperativo da indignação”

  1. Gustavo Says:

    Tche, belo texo. Sobre esse imperativo da indignação, ocorrem-me certas ideias. Suponho que o compartilhamento quase automatizado nas redes sociais realmente não faz muito mais do que satisfazer uma certa modalidade, notadamente voraz, da pulsão escópica. Parecer consternado é a bebida da moda. Ser a favor ou contra a implantação de Belo Monte talvez importe menos do que sustentar uma imagem firme sobre o assunto – que será esquecido quando novas imagens chegarem as prateleiras.
    Entretanto, lembro que Rodulfo, o argentino, atribuía grande importancia ao processo psíquico que ele denominava “formação de superfície” – essa igualização do um ao todo, crucial para uma possibilidade de separação posterior. Que, evidentemente, não ocorre por si: requer certos golpes para barrar o gozo de deixar-se devorar pela massa.

    • Luciano Mattuella Says:

      Guto,

      Interessante essa ideia do Rodulfo – lembra algo da identificação primordial, não?

      Já viu “Black Mirror”, seriado britânico (BBC 4)? Tu vai gostar.

      Forte abraço,

      — Luciano

  2. Mariana Hollweg Dias Says:

    Caro Luciano! Excelente o teu escrito, me identifiquei bastante com a tua reflexão. A indignação já pode ser um bom sinal, mas certamente se ficarmos só por aí – o que realmente me parece uma questão séria atualmente – não iremos adiante…andaremos em círculos numa posição de gozo, não implicados e portanto, apagados em nossa condição de sujeitos desejantes. Um abraço! Mariana

    • Luciano Mattuella Says:

      Mariana,

      Obrigado pela leitura!

      Eu entendo a indignação como aquele primeiro movimento subjetivo de dizer “não”, sabe? Ele é necessário, mas não suficiente para uma verdadeira posição de fala. É o mesmo que penso dos “Occupy”: importante dizer “não”, mas em cima do “não” tem-se que construir algo. O desafio mesmo é esse, acredito.

      E também me agradam muito mesmo as discretas implicações: um texto, um comentário, um pequeno gesto que possa quebrar ciclos de violência. Mesmo que seja dar “bom dia”, acolher o outro em sua demanda de tratamento. Enfim, qualquer aposta na subjetividade.

      Abraço!

      — Luciano


  3. “Um olhar que não evoca a palavra é um olhar de gozo e de anuência.” Antológico. Mas, te pergunto, escrever para leitores que escrevem é uma mudança que ao mesmo tempo recupera a literatura epistolar das cartas agora por meio e e-mails. O diálogo do internético começa curto, como coice de porco, mas, não por ser curto é menos virogoroso. De fato, nossos vícios de existência “analógica” podem continuar na existência digital. Amichevolemente, jlc

    • Luciano Mattuella Says:

      Caon,

      Tenho sinceramente um profundo interesse pelo “diálogo do internético”, como tu chamas. Justamente o que eu gosto em blogs e e-mails é a potência dos texto curtos – o que não falta no mundo “analógico” são calhamaços que circundam sem “dar o coice”, não te parece?

      Bem ou mal, a internet permite a sustentação de uma posição de fala. Agora, concordo plenamente contigo: escrever para o leitor que escreve resgata algo das cartas. Até porque cansa muito ser apenas “curtido” (como couro, por sinal) e “compartilhado”. Melhor ainda quando a resposta vem pela via de um outro texto que dá seguimento ao diálogo. Algo da via da solidariedade, como tu tens trabalhado.

      Forte abraço,

      — Luciano


  4. Fenômeno de massa, não? A mesma coisa que faz com que, numa grande massa, pessoas consigam agredir e brigar de maneira que não fariam se estivessem sozinhas. “Dá coragem”. Bom, mas no caso do facebook, a indignação parece uma boa maneira de não ficar de fora sem precisar se envolver.
    Abç!

  5. f.testa Says:

    mattuella, o texto é instigante.
    parece que, para não cair em uma posição apocalíptica ou em outra totalmente apologética, é necessário dizer que o que é definidor é o “uso” que se faz dessas “redes sociais”. concordo que haja uma certa incitação no uso possível da indignação, que não se reconfirma em muitos casos na vida social efetiva (já diziam deleuze e guattari que é fácil ser antifascista em um nível macro, o dos “grandes” posicionamentos; mais difícil é acompanhar os microfascismos que podem se esgueirar sob essas posições, e o fascista em nós que se mantém), e da violência, que de alguma maneira a reconfirma e amplifica socialmente, ao ser visibilizada não criticamente. é sim possível encontrar esse imperativo incitação-indignação, que inclusive pode se tornar forma de veiculação de um conteúdo político que não corresponde àquele do qual a indignação seria talvez a única voz possível; ou ainda de uma indignação sem conteúdo social e político. como disseste, tornar a indignação espetáculo – como parece vem sendo o procedimento de uma “grande” mídia, que investe quase sempre no esvaziamento dos conteúdos políticos contestatários. mas, parece que seguindo esse caminho, há o risco de a crítica ser muito negativa…
    talvez para não parar nesse momento negativo, seja importante perguntar se elas podem ser um espaço de “veridicção”, e da possibilidade de uma outra circulação/produção de informação que se quer verdadeira; parece útil poder dizer que uma outra instância de enunciação “minta”. denunciar a partir de uma outra ética as omissões de um jornalismo “maior” ou sua não veracidade. o que está em jogo são as condições de possibilidade de um dizer verdadeiro, que parecem bastante sedimentadas em grandes canais de comunicação. de fazer um uso “menor”. talvez em outros canais circule uma “outra” informação, que dependa por vezes de uma outra ética, e que pressupõe múltiplos focos de emissão e recepção, diferentes tempos de circulação. acho que estou falando de ir além do “curtir”: talvez não seja sempre apaziguador difundir uma informação – principalmente aquela cuja relevância política seria obscurecida se difundida em canais de comunicação onde o sistema é mais próximo da relação bem autoritária e fixa emissor-receptor, onde há uma captura imediata do sentido. nesse sentido, o potencial dos blogs e outras formas de transmitir/politizar a informação é inegável – e isso se confirma no papel que isso vem tendo em mobilizações sociais efetivas; há um outro aspecto: uma seleção possível disso que se transmite, a partir de critérios políticos (ou éticos) – nesse sentido, difundir uma informação que provém de um tipo de fonte, que tem um tipo de relação com os movimentos, questões ou demandas sociais, engajamentos/posicionamentos políticos efetivos, é já uma forma de aproximação crítica.
    talvez aí haja por vezes mais proximidade do asco que do gozo, a negação que quer se manter próxima ao presente, do que da afirmação que quer dele se distanciar.
    mas aí acho que não falei da novela das oito.

    • Luciano Mattuella Says:

      Federico,

      Ótimo comentário! Me ajudou a pensar algumas coisas. Vou ressaltar uma frase tua:

      talvez não seja sempre apaziguador difundir uma informação – principalmente aquela cuja relevância política seria obscurecida se difundida em canais de comunicação onde o sistema é mais próximo da relação bem autoritária e fixa emissor-receptor, onde há uma captura imediata do sentido

      Acho isso importantíssimo. Por isso, ao meu ver, o valor das redes sociais é justamente o “dar a ver”: trazer ao espaço público (mesmo que digital, vurtual…) fatos que seriam obscurecidos. O meu receio, na verdade, é com o que pode vir do extremo disso: a visibilidade excessiva também cega. Quando tudo se torna motivo de indignação, nada mais é indignante. 1984 x Brave New World!

      Forte abraço,

      — Luciano Mattuella

      • f.testa Says:

        concordo, mattuella. talvez esse excesso de visibilidade carregue o seu cinismo e a sua apatia no pior sentido. aqui, ao invés, de escaparmos a uma “captura imediata do sentido” – como canais ‘outros’ poderiam propiciar – parece que, ao contrário, seríamos jogados no seu esvaziamento, principalmente do ponto de vista ético. para mim, também o problema está nessa força de ‘imperativo’ que mencionaste – que caminha lado a lado com a hipótese de uma ‘incitação’, sobre a qual já discutimos. nesse universo de incitação as manifestações (que visibilizam não criticamente, reificam, amplificam e reiteram a violência, por exemplo – de modo a esvaziá-la de seu sentido ético) deixam intocados atrás de si uma série de pressupostos e naturalizações, que dizem respeito seja ao ‘lugar’ desde onde falam, bem como sobre o tipo de conduta em relação a isso que se diz ou mostra… em suma, também vejo aí um perigo.
        um abraço,


  6. O Facebook é um mar de posts de auto ajudo.Isso me intriga deverasmente. Não existe nenhum ideal unindo como naquelas comunidades do Orkut. Então será o motor que leva a todo dia nossa entrada no facebook a angustia?Acrescento à questão da indignação a questão do gozo: Resta então, àquele que recua frente a seu desejo, somente a depressão e a queixa. J. Lacan


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